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Laylla

Laylla, 

(28-03-2010) Dia 1

Hoje é festa nos céus, mas quem diria que essa festa tivesse esse efeito devastador na terra, hoje é um dia triste. Certamente o pior que eu já passei em toda minha vida, em meio a tantas lágrimas e soluços tento te escrever algo pra ver se essa úlcera sai de mim, essa dor que não tem remédio, vou tentar preencher esse vácuo que sinto por dentro, sair desse poço sem fundo que mergulhei. Pra mim você foi uma filha, uma irmã, uma amiga, um anjo. Sempre esteve presente em todos momentos da minha vida e posso dizer sem sombra de dúvidas que nunca vi, e apalpei amor mais sincero que o seu, você foi amor. Amor onde só havia angústia, esperança quando não havia mais fé, você foi carinho quando estava frio, quando só tinha solidão, você foi meu porto seguro, e minha melhor amiga, pois chorava comigo, sentia o que eu sentia, e me respondia ao seu modo, com esses seus olhares sobrenaturais, e essa sua áurea angelical, você foi paz quando só havia contenda e separação, Você foi um escudo quando o mal se aproximava, e dessa vez você foi eu.

Me perdoa, me perdoa, me perdoa, queria poder ter alguma porção mágica que pudesse tirar esse pequeno infinito de dor e agonia de você, há momentos que a fé faz milagres, e hoje peço que meu pequeno grão de mostarda apenas me traga consolo e paz nessa alma que lentamente me mata de dentro pra fora em pequenos momentos de tortura. Você me deu tanta coisa pra lembrar… Lembro que quando eu era criança meu sonho era ter um cachorro, eu orava todos os dias, eu via eles na rua e sorria triste, porque eu sabia que eu nunca teria um, então ganhei um de pelúcia que mexia a cabeça, dava pulinhos e latia de vez em quando, em um tempo cronometrado, e imaginava como seria a sensação de ter um cãozinho de verdade, sabe? a qual todo movimento era expontâneo, cujos latidos viessem nas horas mais inapropriadas, que pulasse em mim quando me visse, que me respondesse, me ouvisse e me compreendesse, sabe? um cãozinho que eu pudesse ensinar truques e inventar as brincadeiras mais insanas e contar todos meus segredos, como seria olhar pra ele e ficar tentando imaginar o que passava na cabeça porque com certeza tava passando algo lá, e tentar ler ele, e decifrar… Como seria a sensação de ser importante, de ter uma marca, e ser reconhecida pela voz, pelo cheiro, pelo olho. Como era a sensação de cuidar de alguém ter alguém pra chamar de minha, poucos sabem mas você era uma linda menininha num corpinho canino, acho que até mesmo você tinha consciência disso, e cara, eu te perdi, assim, tão rápido, minha mãe disse que seu tempo aqui se cumpriu, mas porquê tão rápido? porque assim tão repentinamente? Lembro que quando criança, justamente nesse período em que comecei a fazer listas pra tudo, lista de materiais, lista de compras, lista de lugares, lista do futuro… eu tinha uma lá que era como um sonho precioso, meu ourinho, era a sua lista. Desde sempre colocava bichinhos, roupinhas, frufruzinhos de cabelo, mantinhas, ossinhos, bolinhas, tudo. Não deixava faltar nada. Também tinha um sonho de ter um cachorro pra poder levar ele no parque pra correr comigo, pra me acompanhar quando eu estivesse andando de patins, pra dividir um sorvete, viajar e ser livre comigo, o que não deu muito certo porque você passava mal quando andava de carro, um trauminha que você tinha, 5 minutos e você já passava mal, então você caminhava no condomínio mesmo, comigo. Me lembro que desde pequena eu te fazia socializar com os dogs da rua, eu falava que você não podia sentir medo deles e colocava você bem pertinho deles e falava que eu não ia deixar ninguém fazer mal pra você, então você cresceu toda corajosa, nem dava moral pra essa cachorrada, quando você entrava no cio era uma mocinha de família, não deixava eles nem chegarem perto de você, era uma mocinha independente, e destemida, chegava perto quando te convinha e quando não, apenas ignorava, não ficava latindo atoa, só curtia o momento, só era nós ali. Cada pedacinho dessa casa me lembra você, minha cama tá cheia do seu pêlinho, o que me fez lembrar que mês passado eu tentei te tosar e não deu muito certo, porque você não parava quieta, e MEU DEUS, como você tinha pêlo! era a coisa mais fofuxa e gostosa do mundo, era o pêlo mais macio, mais preto e mais brilhoso que eu já vi na vida. E você me passava tanta segurança, sempre dormindo comigo, e quando a casa tava vazia você me fazia companhia e eu me sentia tão acolhida e segura, e a gente brincava e eu falava com você e ria e você pulava e me fazia companhia, em todo lugar, quando eu ia tomar banho você me seguia, quando eu ia comer, quando eu ia deitar no sofá, você tinha até seu cantinho né? você gostava de ficar bem em cima da cabeceira do sofá, e quando chovia e junto com a chuva vinham aqueles trovões horripilantes você ficava bem juntinha de mim toda encolhidinha tremendo esperando passar, aí eu cantava pra você se acalmar e passava, ai você dormia e esquecia daquela tormenta. Vou sentir falta do seu ronquinho, era uma coisinha gostosa de se ouvir, me dava uma paz, era quase uma canção de ninar, eu ficava horas te observando dormir, observando cada músculo seu se mexendo e isso era tão encantador pra mim. Dizem que o dono é um reflexo do cachorro, e você era igualzinha a mim, hiperativa, alegre, não tinha tempo ruim, sempre inventando moda, desajeitada, rápida e competitiva, e queria brincar quando não podia, ria na hora errada, e sempre com esse jeitinho de criança, e hoje posso dizer que estou como você nesse momento, morta por dentro. Difícil é não lembrar de todas histórias e momentos que passei contigo, difícil é parar esse choro descontrolado que me consome, e sanar essa dor descomunal. Você bem sabe que eu sempre gostei de escrever pra ver se aliviava os humores, eu sempre colocava uma musica pra me ajudar a transparecer melhor o que eu sinto, e hoje não coloquei nada, porque juro, não existe coisa mais ensurdecedora do que o silêncio, esse silêncio dói a alma. 

Lembro que quando te comprei me apaixonei desde o primeiro olhar, desde o primeiro momento, o primeiro toque, o primeiro abraço, você era meu chicletinho, com você perdi muitos medos, e principalmente o nojo das coisas, e que ainda que eu tenha fobia e síndrome do pânico de vômito, o seu eu não tinha nojo, eu limpava e me sujava e corria atras deles pela casa, lembro que a gente meio que tava conectada, como naquele dia que eu tava enjoada e voce passou mal e eu tive que limpar e não senti nojo e graças a Deus eu melhorei, você sugava minhas dores e tudo o resto, sempre foi assim, e isso pode ser heróico da sua parte mas é tão injusto… Você me guardava desses demônios que me assolavam, e sempre tava do meu lado pro que der e vier.

E quando te ganhei, te abracei forte e disse que ninguém te tiraria de mim, lembro que no momento que meu pai disse que eu não ficaria com você eu virei um bicho do mato, me transfigurei, sabe esse instinto materno? Então. Não deixava ninguém chegar perto de ti, e não tirava o olho. Você foi a primeira cachorrinha que ficou, ainda que com um contrato, o que me rendeu muitas responsabilidades e risadas (no caso minhas e do resto do mundo, ninguém acreditou quando disse que meu pai me fez assinar 6 contratos com leis e termos pra poder ficar contigo, e quando mostrei acho que nunca fui tão zuada kkkkk). Lembro da casinha de almofadas que fiz pra você, lembro do primeiro banho, e também lembro que todos seus banhos viravam nosso, e o quanto você odiava água gelada e eu tinha que te dar banho no chuveiro. Lembro das primeiras rações que eu te dava na boca, uma por uma, e te observava, tão serena, tão delicada, tão neném, tão lindinha, tão minha… cara, você era minha! dava pra acreditar? você me olhava com essas bolas de gude marrom enormes que você tinha, com um olhar curioso, e cheio de descobertas, cheio de amor, uma por uma, eu ia te dando os carocinhos da ração me encantando e te amando cada vez mais. Lembro a prova que foi quando decidi te levar pra passear e coloquei aquele gorro vermelho que eu tinha em você, porque ainda não tinha corrente, e você gritou, berrou, se descabelou, esperneou porque se sentiu presa, sempre com essa personalidade forte, sempre gostou de se sentir livre e ser livre, mesmo quando passava os sábados e domingos enfiada no quarto só dormindo comigo, cara, como vou sentir saudade disso. Sua compahia.

Você era tão pequenina tão delicadinha que eu tinha até medo de colocar no chão, te levava pra todo canto, sabe, eu não tenho palavras de agradecimento suficientes que possam expressar como sou grata por ter tido você na minha vida. Você me salvou milhares de vezes. Você me fazia sorrir nesses dias macabros e foi um consolo presente nos meus tempos de angústia. Meu ensino médio não foi nada fácil e sabe quem me ajudou a continuar? quem me dava forças de dias melhores? você. Porque eu sabia que quando eu chegasse em casa te encontraria, tudo podia tá péssimo, mas quando eu estava contigo não era tão ruim assim. Você foi minha amiga quando eu não tinha ninguém, e é tão engraçado isso, porque Deus me preparou tantas pessoas especiais e únicas pra estar do meu lado mas eu nunca consegui me abrir com nenhuma delas como me abria com você. Nenhuma delas sabia dos meus segredos mais sórdidos e profundos, e nenhuma delas me conhece como você conhecia. Você me amou quando eu tava um porre, quando eu queria morrer, quando eu era estúpida, você me amou quando eu merecia um soco na cara, quando eu não era uma pessoa tão boa, quando nem eu mesma sabia quem era. Você me amou depois daquele dia que te bati porque você sumiu por uma hora e foi pro condomínio da frente, lembro que eu fui em cada condomínio da rua gritando por você e assobiando, quando te encontrei não sabia se te abraçava ou se te dava um tapa, e bom, sabe aquela brincadeirinha? “me chamou pra brincar e me deu banho” Eu era mestre nisso, e você sempre me olhava toda desconfiada, você era humana, porque não era possível um cachorro ser tão inteligente como você era. A gente dançava juntas pela casa, gritava, ria alto, rolava pelos tapetes, apostava corrida até a cozinha, assaltava a geladeira de madrugada, você era minha confidente, minha cúmplice da vida. E eu vou te amar pra sempre e nem por um segundo me esquecerei de ti e das suas peripécias. 

Você quase nunca ficava doente, era bem parecida comigo nesse ponto também, era educada e sabia como ninguém como conseguir o que queria, que nem quando você fazia aquela carinha pra mim, gente, me desmanchava, me transbordava aquele seu olhinho de gatinho do shrek, você era a criaturinha mais meiga e virtuosa do mundo. 

Lembro quando você tinha pesadelos, e eu te acordava e te abraçava forte, e porra, sabe que tenho a sensação que você tentou me avisar a semana toda mas eu foi idiota o bastante pra não perceber, essa semana foi diferente, você acordou desesperada e começou a chorar, e ficou em um chorinho triste até nós duas cairmos no sono, e bom, eu não entendi, e sabe, é tão triste saber que não terei mais isso, nunca mais te verei e que de agora em diante só me resta seguir em frente e viver de lembranças, e tentar não morrer de desgosto e tristeza. 

Lembro que quase te perdi uma vez, e em meio a tanto desespero e agonia você resistiu, e pude te ter por mais dois anos. Vejo que Deus foi muito bom comigo, porque você de fato foi um anjo com tempo determinado, e Deus adiou ele pela primeira vez, eu pensei que eu não ia chorar no dia que ele te levasse, achei que eu só ia ficar triste mas que logo ficaria bem, e hoje tô aqui experimentando desse cálix tão amargo e tentando cessar esse choro sem fim, me refazendo, mudando os planos, mudando as rotas, tentando me manter em pé porque olha, tá difícil. 

Todo mundo te amava, eu lembro que minhas amigas não suportavam cachorro mas com você era diferente, elas até te faziam carinho, você sempre foi tão amável, lembro de todas as vezes que você aprontou, eu costumava dizer que você era o pior cachorro do mundo, mas isso era mentira, você era a melhor, não acredite nisso nem por um segundo. 

Você nunca ligou pra conforto, pro que você tava comendo, ou onde estávamos, e sim se estávamos contigo, e isso eu nunca vou esquecer, nunca. nunca. 

Lembro que no dia que te comprei eu te observava todos os dias, queria te ver crescendo sabe? eu até fiz aquela tabela na parede, eu riscava ela de acordo com o tempo, e contava os segundos pra próxima conferida. Quando te comprei queria que você fosse pequenina pra sempre, depois a medida que você crescia eu quis que você ficasse do tamanho de um labrador, mas quando me dei conta que você parou de crescer, me encantei, nossa, você era a definição de perfeição, você era impecável e única. 

Vou sentir tanta sua falta… de quando eu saia e você me observava da janela, e quando eu voltava você tava lá, exatamente lá, parada, no mesmo lugar. E de quando eu saía, ainda que fosse por 3 minutos, você me recebia calorosamente, sempre, como se fosse a primeira vez. Aliás, com você sempre foi assim, como se fosse a primeira vez.

Dia 2

Hoje o dia amanheceu tão estranho, não sei se foi porque por mais que eu estivesse esgotada e no meu limite, não consegui dormir, sonhos aleatórios, ventos falantes, uma melodia diferente nesses pássarinhos, silêncio. Silêncio, silêncio, silêncio.

Que manhã estranha, um dia cinza, congestionado, vazio. Tá foda.

Sabe, Pensei que havia chorado tudo o que tinha ontem porém parece que estava equivocada, porque dói tanto? Levantei. Na verdade me arrastei, o duro é ver que tá difícil pra todo mundo, não tem remédio, não tem palavra doce, nem nada que ajude, ou ao menos diminua essa agonia interna, não consigo olhar pro meu irmão sem ter vontade de chorar, não consigo tomar banho sem competir com o chuveiro, não consigo olhar pra um espelho sem lembrar de você, percebi que você me mudou, sério, lembro de ser um calabouço, sem chave, e completamente assustador, e ninguém nunca se atreveu a ir lá, e você foi. Me ensinou a ser mais humana, mais terna, mais doce. Tá foda. Tá foda porque nem consigo enxaguar a boca sem ter uma crise de choro, lembro da primeira vez que te vi com muita sede e te dei agua da pia, e desde alí você nunca mais parou, acho que você gostava daquela corrente de agua, e principalmente daquela cuia que eu fazia com a mão, também lembrei de quando eu tava mijando nas calças e ia pro banheiro e você me seguia, e chegava primeiro - novidade né?- e ficava com as duas patinhas apoiadas no vaso me pedindo pra abaixar a tampa, e eu ficava naquele dilema, tortura medieval ligar a torneira ou fazer xixi? e eu sempre escolhia sanar sua sede, porque eu não suportava a ideia de te ver passando sede ou fome, então eu ficava fazendo aquela cuia contando os segundos e as lambidas e cronometrando cada movimento seu, e fazendo uma força descomunal pra não mijar alí mesmo. Em falar de cuia com a mão, lembrei de quando você era bem bebezinha e eu te dava ração assim, grão por grão, e as vezes colocava meu rosto bem pertinho pra ficar te vendo, pra te sentir perto e pra você se acostumar a me ter bem perto, te enchendo o saco, e até mesmo pra poder tirar as coisas da sua boca sem ser mordida, porque pelo o que eu tava vendo, haja chinelo, madeira, e haja tijolo. Cada pedacinho da casa tem sua marca, ficar fora o dia todo é fácil, difícil mesmo é voltar pra casa, e sentir seu cheiro impregnado em cada superfície, em cada quina, em cada cômodo. Lembro de quando seus dentinhos estavam crescendo e você decidiu que madeira era bife, e roía aquela parte do sofá, e da porta, e de tudo que era canto que tinha aquele cheirinho de terra molhada. Sabe o que era mais engraçado? te ver fazendo essas travessuras e não saber se brigava ou se te apertava e te beijava por ser tão fofa e encantadora. Você era a coisa mais linda desse mundo, perdi a conta de quantas havaianas comprei ao longo desses anos, e uma observação engraçada era que você tinha aquela velha mania de comer só o lado direito, dai não dava nem pra usar par dum par doutro. Mas amava te ver tão concentrada roendo essas coisas, tipo aquele salto maravilhoso que eu tinha, ou aquela sapatilha, ou aquele chocolate caríssimo que comprei e fiquei enrolando pra comer por dó e você foi lá e o fez por mim, esses pequenos sacrifícios, eu ri até a barriga doer, você era uma peça. hoje foi difícil descer as escadas, cada degrau uma facada em um lugar diferente. Acompanhei com os olhos seus vultos de uma memória cheia de lembranças, você descendo comigo até o meio da escada -no caso você chegava primeiro, é claro- e me rodeava e ficava observando eu descer o resto, e depois ficava alí, toda paradinha, quietinha, com um olhar cheio de saudades e palavras nunca ditas, nem piscava, ficava lá me vendo cada vez mais longe, me distanciando, me vendo ir e já pensando que em breve eu estaria de volta, porque eu sempre voltava, e quando eu voltava você tava alí, só que dessa vez inquieta, toda agitada, mexendo o rabinho, e de chorinho, e gritinho, e com esse seu latido gostoso que eu nem seu explicar o quanto sentirei falta, já sinto. Vinha e me recebia como se eu tivesse acabado de voltar da guerra, e pulava e me abraçava, e me amava e me fazia rir, não interessava o quão carregada e insuportável eu estivesse, você sempre estava ali por mim e pra mim. Tá foda. 

Não sinto fome, não sinto gosto das coisas, não sinto vontade de nada, e apesar de tudo que já passei, nada se equivale e não te ter aqui, ou ficar passando e repassando e trespassando aquele momento em que vi o meu e o seu ultimo suspiro, tá foda. Ta foda porque eu passo na cozinha e tenho vontade de gritar e me jogar em um canto qualquer, lembro da primeira vez que você vomitou lá, bem quando eu tava jantando, foi engraçado aquilo porque nem senti nojo, fique preocupada com você, como podia uma bolinha de pêlo comer tanta besteira? Lembrei que te ensinei alguns truques, como o de andar em duas patas, então você ficava empézinha,  e pulava, e andava bonitinha, que saudade. Lembrei que eu comprava ursinhos só pra brincar com você, você mordia ele e eu ficava te chacaqualhando, e você amava isso, e assim aprendeu esses seus saltos assustadoramente altos. Lembrei de quando te ensinei a perder o medo de altura, você tava na minha cama e era tão pequenininha, e eu te colocava em cima da cama e te empurrava, e você vinha e então eu te descia, e ficava te chamando lá no meio da escada, te pedindo pra descer, e você descia toda destrambelhada e desengonçada, meio tropeçando, meio tentando acertar, e depois você era impossível. Não ficava em canto nenhum porque você voava, subia na pia, descia, perdeu o medo, e se tornou a criaturinha mais corajosa do mundo, criou asas. Lembrei que um dia te perdi, na verdade você foi pra construção do final do condomínio, aí comecei a assobiar, e me recordo que quando eu fazia isso não importava o que você estava fazendo, era o toque de recolher, você parava e vinha correndo pra mim, e eu te chamava e assobiava, e nada, até que te vi em um eterno conflito interno, pensando se pulava a sacada do segundo andar ou não, parei de respirar quando te vi lá, mas consegui ser mais rápida e te peguei. É difícil esquentar um misto quente e não procurar seus olhinhos de divertimento e de “oba oba”, e ver cacos dos ossinhos de massinha, e suas bolinhas pela casa e jogar e não te ver correndo achando que a partida começou, quando você jogava bola comigo, e ria, e só sorria. Lembrei de quando eu brincava de pega o amendoim com você, só que com ração, quando a coisa virava brincadeira você amava, não importava se você tava ruim, ou passando mal, e foi tão triste te ver desfalecendo no meu lugar favorito do quintal, alí, sozinha, sem querer preocupar ninguém, e quando te vi e bateu o desespero você achou que eu ia brigar e correu pro meu quarto, se arrastando, passando por cima dessa dor  massacraste que você tava sentindo, você correu pro meu quarto, seu lugar preferido da casa, e você ia pra de baixo da cama ou da mesa, ou pulava em cima da cama e fazia aquela carinha pedindo compaixão.

Mamãe vai sentir sua falta pra sempre. Não tem um diazinho que eu não lembre do tanto que você gostava de correr, e de uma música tranquila pra dormir, e como você cochilava bonitinha, era fascinaste te ver. Sinto falta até desse seus dentinhos branquinhos me mordendo de leve de brincadeira, sempre toda cautelosa, lembrei de como eu tava agitada quando seus dentinhos ficaram molinhos e eu arranquei eles, e depois seus dentes nasceram, a coisa mais linda, certa e branca que eu já tinha visto. Você era Perfeita. A casa ficou triste, o mundo é um lugar triste sem você princesinha. Quando você se foi, choveu, e fazia mais de meses que não chovia, você deixou esse choro da natureza, e esse choro incessável dento de mim, dói, dói tudo. Um dia a gente acostuma com essa agulhada no peito, e essa sensação de vazio, um dia a gente vira amiga da tristeza e segue, e eu espero isso com todas as forças q me restaram. Porque tenho a sensação de que você me levou junto quando você partiu.

Dia 3.

Te procuro pela casa, e te encontro apenas dentro de mim, e vou ter que conviver com isso, com essas partes de mim que lembram você. Todos dias acordo com esse grito engasgado, essa vontade de andar sem destino, esse olhar vazio, essa vontade de chorar, chorar até tudo ficar bem, chorar até alguma coisa muito estraórdinaria acontecer e me desviar o foco, me tirar aquelas horas de tortura e esse abismo que ficou dentro de mim. Você deixou saudades e tantas lembranças e coisas boas, só coisas boas, porque até lembrando das primeiras roupinhas, de quando você menstruou pela primeira vez e melecou a casa toda, eu ri, só boas histórias, bons momentos, dias gloriosos. Eu parei de fumar em janeiro. mas voltei hoje. Parei de chorar ano passado quando meu pai saiu de casa, mas voltei hoje, no seu último suspiro. morro de saudades dos seus olhos redondos castanhos, de como eram puxadinhos e profundos. Passava horas olhando pra você e me perguntava se existia coisa mais linda e mais cativante que você, passava horas te olhando e me perguntava porque você pegou a beleza do mundo todo só pra você e se isso era justo. Tá difícil levantar, e impossível sorrir, mas vou sempre te lembrando, as vezes dou um suspiro cheio de saudades, outras cheio de lembranças boas e coisas que me faziam rir. Calma alma.

Dia 22
22/09

Bom, ontem foi a festa do meu aniversário, e mesmo cercada de gente, nunca me senti tão só. Arrumando as coisas lembrei de você, da sua alegria, da sua agitação, de como você era hiperativa como eu costumava ser… Durante a festa tudo que eu queria era correr pro quarto e te ver, deitar pra passar uns segundos te contando tudo que tava rolando lá embaixo e descansar um pouco. Antes de ontem jantei no chão da sala, olhei pro tapete e perdi a fome. Fiquei lá olhando fixo lembrando de como comer ali era revigorante, acho que desconheço lugar melhor, e lembrei de como a gente rolava ali, e brincava, e corria, e conversava, e ficava em silencio, e se acompanhava, semana passada tava difícil dirigir, sabe? E não estava em mim, sempre pensando e de olhar vago, meio sem graça, meio vazia, meio ranzinza, eu. Cheguei em casa triste ontem, tive um dia péssimo, quis chorar ao lembrar que continuaria assim, e que provavelmente dormiria sem jantar, talvez por falta de apetite, ou ânimo mesmo. Acho que nunca vou superar você, é desolador essas tardes atoa, o que era pra ser paz, descanso, torna-se uma entrada sem volta pra esse calabouço interno. Sou vácuo, sou silêncio. Ontem queria te contar umas coisas que aconteceram comigo, queria te contar que um dos meus amigos favoritos foi muito babaca comigo por um motivo ridículo e completamente desnecessário; e te contar que tô com medo de me apegar demais a um amigo meu, queria que você conhecesse ele. Hoje acordei com uma vontade de pegar uma estrada dessas e dirigir sem direção. Deus é muito bom e misericordioso e tem constantemente colocado anjos do meu lado, seja pra espaventar todo esse pânico que parece que vem com horário marcado, seja pra me fazer ver que uma hora eu costumo com a dor. mas olha, não tá fácil. Não tá. Tenho medo de dizer seu nome, de te chamar pela casa… Mas tenho essa necessidade, estranho né? Dizem que as vezes o que nos mata é aquele que nos cura, e vice versa, acho que é mais ou menos isso que quero dizer. Semana passada te vi, te vi em outros olhinhos castanhos, naquele pelo preto, com aquele cheiro de lar doce lar, e te lembrei,  quis chorar mas sorri, Não peguei no colo por medo, não levei pra casa por que, mil, não serão o que você sozinha foi pra mim. Semana passada quis escrever pra você, mas a tristeza veio como uma dorzinha aguda, então achei melhor deitar, abracei o joelho e fiquei no canto da cama, sabe quando você se sente pequeno? quase invisível? bom, se eu não estivesse, com certeza queria ser naquele momento, chorei. Hoje procurei um pêlinho sequer seu no meu colchão e não encontrei, não ver vestígios seu me assusta, principalmente quando eles estão por toda parte dentro de mim. Te vivo e revivo todos os dias, todo dia meu coração faz um filme seu diferente, um filme nosso. Todo dia recebo chuvas de você, ora vem como uma garoa, ora vem assim, arrastando a pouca força que me convenci que tinha, e todo o resto. 

       

Laylla Cares,
28-03-2010 † 31-08-2014

2 comentários

  1. Nossa Bruna ela morreu de que?! Eu lembro delaaaaaaaa não sabia que tinha acontecido algo com ela... sinto muito chorei vendo o clipe é muito ruim perder um animal que a gente ama muito!!!

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    1. Pois é Brenda ): Deus levou meu bebêzinho, e aos poucos tem me confortado e consolado. Ela comeu chumbinho, ela já tinha comido uma vez a dois anos atras, mas como não era o dia dela, ela sobreviveu e se recuperou em uma semana, mas dessa vez foi fatal... nessas horas ela deve tá bem melhor que eu no paraíso, haha, morro de saudades daquela carinha de pidona espertinha dela... massssssss vamos que vamos né, a vida não para.

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